Luxemburgo: muito mais que um centro financeiro

A Câmara do Comércio Luso-Belga-Luxemburguesa (CCLBL) é a responsável por colocar muitos empresários portugueses, belgas e luxemburgueses em contacto. Todavia, esta atividade nunca tinha tido lugar diretamente a partir do Luxemburgo. É isso que está a ser implementado atualmente, como explica Yvonne Bernardino, vice-chairwoman da CCLBL.

A relação entre Portugal e Luxemburgo já tem muitos anos, mas a relação comercial pode ser ainda mais incrementada. Como está a Câmara do Comércio Luso-Belga-Luxemburguesa a atuar, com vista a esse objetivo? 

Apesar da CCLBL existir desde 1918, até ao momento nunca tinha exercido uma atividade direta no território luxemburguês. Estamos atualmente a lançá-la, com o apoio de instituições luxemburguesas, de modo a contribuir com o nosso conhecimento da realidade empresarial portuguesa, dos seus empreendedores e da cultura portuguesa, na dinamização da troca comercial entre os dois países, que tem um forte potencial de crescimento. Apesar da crise sanitária que vivemos, já começámos a contactar individualmente empresas luxemburguesas dos mais diversos setores, que tenham ou queiram alargar as suas atividades em Portugal. Claro que entre estas empresas algumas têm portugueses como proprietários, dada a grande e empreendedora comunidade portuguesa existente no país. Em termos coletivos, estamos a preparar vários seminários (por enquanto, online) sobre os mais diversos assuntos relacionados com o mundo empresarial e oportunidades em ambos os países. Enquanto Câmara de Comércio, queremos obviamente alargar a nossa base de membros, que são a essência da Câmara.

Quais as mais-valias do incremento da relação comercial e económica entre estes dois países? O que pode, cada um deles, ajudar o outro a desenvolver? 

O Luxemburgo e Portugal estão a complementar-se muito bem em vários domínios. Vários projetos existentes confirmam este potencial de entreajuda. Cada país “pode aprender com o outro”, quer dizer que há terreno para uma ampla troca de “best practices”. O facto de o Luxemburgo dispor de uma população plurilingue – contando cada vez mais com pessoas fluentes em português – é certamente um facilitador dos contactos e do trabalho transnacional entre Portugal e Luxemburgo.

O projeto de “ativação” da Câmara do Comércio Luso-Belga-Luxemburguesa no Luxemburgo está em desenvolvimento, em conjunto com a Câmara do Comércio do Luxemburgo. Que vantagens existem no contributo conjunto destas duas instituições para a economia de ambos os países?

A união faz a força, não só de recursos materiais, mas também de know-how.

Cada Câmara conhece bem a sua realidade local. Ao reforçar o trabalho comum, a troca de experiências, de contactos e de ideias é de facto um catalisador muito importante para novos impulsos comerciais e económicos entre os dois países. As Câmaras não são atores ativos dos mercados, mas agentes muito importantes na criação de redes e de oportunidades, isto através da colheita e da partilha de contactos e de informações.

O Luxemburgo é conhecido essencialmente pela área financeira. Que outros setores importa destacar?

Sem dúvida, atualmente o Luxemburgo é conhecido pelo seu centro financeiro, mas num passado não tao distante (meados do século XIX e final do século XX) era conhecido pela siderurgia. O seu declínio a partir de 1975 obrigou o pais a diversificar, mas acima de tudo contribuiu para a criação do “modelo social luxemburguês”. Se hoje o peso desta indústria no PIB do país é bastante inferior, os produtos do Luxemburgo são usados de Doha a Copenhaga, dos vinhedos da Sicília a Nova York.

Um outro setor, que por vezes intriga, dado que o país não tem acesso direto a mar, é precisamente o setor marítimo, que se desenvolveu a partir dos anos 90, e conta com cerca de 220 navios que navegam sob bandeira luxemburguesa  e cerca de 225 empresas deste setor que operam no Luxemburgo, alguns dos quais atores inovadores de renome mundial.

Setores como ICT, comunicação e produção áudiovisual são bem conhecido da maior parte, mas muitas vezes não relacionados com o Luxemburgo, com é o caso do Grupo RTL, que é líder em transmissão, conteúdo e digital, com interesses em 67 canais de televisão, 10 plataformas de streaming e 38 estações de rádio. Neste setor, de produção cinematográfica e de animação, o país tem a sua “mini Hollywood” – Filmland Kehlen. 2021 tem sido um bom ano para esta indústria, com uma série a fazer sucesso na Netflix, 1 Cesar para melhor primeiro filme, um Urso de ouro para melhor filme e duas coproduções nomeadas para os Óscares.

Temos ainda a indústria automóvel e mobilidade inteligente (centros tecnológicos de investigação e desenvolvimento); Clean Technologies, Health Tech; Logística e  turismo de negócios e congressos.

Também o setor financeiro se tem adaptado e se diversificado ao longo dos anos, como a Green Finance. A Bolsa de Valores do  Luxemburgo foi a primeira, em 2007, a lançar um titulo verde no mercado de valores e é hoje o número 1 no ranking, segundo a quota global das obrigações verdes cotadas.

Por último mas não menos importante é a indústria espacial e Aerospacial (Agência Espacial Luxemburgo , SES, Programa Artemis),O Luxemburgo quer tornar-se no hub europeu para a área espacial e está também na corrida da conquista de asteroides ( first mover).

Em resumo, a economia do Luxemburgo é bastante diversificada e há a preocupação em investir e atrair projetos de alto valor acrescentado e que respeitem os valores de uma economia circular.

A comunidade portuguesa no Luxemburgo é muito relevante para a atividade económica do país. Como pode isso funcionar como um fator motivador para os investidores e empresários portugueses e luxemburgueses avançarem para um investimento quer no Luxemburgo, quer em Portugal?

A comunidade portuguesa no Luxemburgo é muito diversa em termos de perfil de pessoas. Esta diversidade humana reflete-se na variedade de formas das atividades económicas (já) existentes entre os dois países. Pense-se nos patrões portugueses de empresas luxemburguesas em setores mais tradicionalmente ligados ao início da imigração portuguesa no Luxemburgo, tal como as empresas do setor da construção civil. Uma parte das trocas comerciais entre os dois países resulta diretamente das migrações e existe desde os primeiros tempos da forte presença de portugueses no Luxemburgo. Pense-se no transporte de bens e pessoas, que é, ainda hoje em dia, por grande parte assegurado por pequenas empresas locais. De uma maneira mais global, a presença de muitos portugueses no Luxemburgo é certamente à base das trocas comerciais no setor alimentar e vestuário.

Hoje em dia, uma grande parte da população do Luxemburgo tem alguma ligação com Portugal: as ditas segundas e terceiras gerações. Estas pessoas, muitas vezes altamente qualificadas, são reais “embaixadores” de ideias novas, porque têm uma ligação forte aos dois países e um bom conhecimento das línguas e das realidades sociais, políticas e económicas de ambos. Representam uma geração móvel e digital.

Assim, a comunidade portuguesa, pela diversidade dos perfis que a integram e pelo grande potencial de fator de ligação entre territórios, mercados e pessoas que representa, é certamente um impulso muito importante para a continuação de relações existentes, mas também para a emergência de novos projetos, produtos e oportunidades. 

Quais os desafios que esta nova conjuntura económica veio criar? Como se pretende a Câmara do Comércio Luso-Belga Luxemburguesa posicionar perante a nova realidade pós-pandemia?

A crise sanitária acelerou o uso de meios digitais no desenvolvimento de negócios e networking, consequentemente impactando também a forma de trabalhar da Câmara, quanto ao modo de interagir com as empresas e empresários de diversos países, através da sua rede de oficiais de ligação regionais.

Felizmente, a nossa presidente, Chantal Sohier, desde que chegou, agilizou o processo de modernização e revitalização da Câmara, que nos permitiu reagir muito rapidamente na adaptação das nossas atividades à nova realidade.

Também a procura pelo produto local viu uma forte progressão durante este período. Tendo este aspeto em conta, assim como os valores promovidos pela Câmara e a sua vontade de promover uma economia circular, antecipamos o reforço da nossa atividade no Luxemburgo.

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